Publicado em 13/05/2014 em http://hdbr.hypotheses.org/5043

Fala de José da Silva Simões
na abertura da Exposição 500 anos de alemães no Brasil,
na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin,
em 07/05/2014

Imagem de MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von - Nova genera et especies plantarum, 1824. vol. 2.
Imagem de MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von.
Nova genera et especies plantarum, 1824. vol. 2.
Acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, USP.

Em uma época em que as palavras escritas parecem ser efêmeras, parece surpreendente que continuemos a nos dedicar aos livros.

Parece estranho colecionar palavras encerradas em arcas, que à distância parecem um revestimento de parede inerte, estático, insólito, obscuro. Em minha carreira de leitor o fascínio por essas arcas mágicas sempre me mostrou que elas tinham vida. Sei que esse fascínio é comum a muitos de nós que nos reunimos aqui para celebrar o registro da memória. Como professor de crianças e adolescentes durante duas décadas, muitas vezes tive a felicidade de ver esse mesmo fascínio nos olhos de meus alunos, investigando-os como objetos inicialmente inertes e obscuros, mas transformando-se em borboletas coloridas como aquelas ali de Carl Friederich Philipp von Martius, tão logo os abriam para a leitura curiosa.

Hoje eu tenho a honra de ajudar a exibir aqui uma preciosa coleção de olhares sobre o nosso país. As imagens que veremos nesta exposição são como um espelho de nós mesmos. Estão apenas emolduradas pelos amigos de outras terras que nos visitaram e que desde o princípio insistiram em dizer que esse país era uma história verdadeira. Ontem, durante a montagem da exposição, dei-me conta de que os três primeiros livros que estão na entrada da exposição, de Hans Staden, Sebastian Franck e Ulrich Schmidel têm o mesmo adjetivo em seu título: wahrhaftige Historia, wahrhaftige Beschreibungen, warhafftige und liebliche Beschreibung… Deve ter sido um protocolo quinhentista insistir que o que ali se narra não é ficção, mas sim a pura e fascinante realidade do que éramos e do que ainda somos. Imagino que ler Hans Staden no século XVI precisasse mesmo da chancela do gênero jornalístico da época, era preciso acentuar que aquilo tudo era verdadeiro e não obra da imaginação de um viajante enlouquecido.

MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von - Beitrãge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerika’s zumal Brasiliens, 1867. vol. 1.
Imagem de MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von.
Beitrãge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerika’s zumal Brasiliens, 1867. vol. 1.
Acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, USP.

Isso tudo que digo não teria sentido se eu não lembrasse aqui quem nos permite hoje o prazer de ver tantas verdades reunidas: o Dr. José Mindlin e sua esposa, Sra. Guita Mindlin, aqui representados por sua família, as senhoras Betty Mindlin, Diana Mindlin e Sonia Mindlin e o Sr. Sérgio Ephim Mindin. Nem preciso dizer o quanto gostaríamos que eles estivessem aqui para ver como dispusemos algumas de suas preciosidades, como reorientamos o olhar que estes livros atraem, como eles fazem sentido de conjunto assim alinhados. É como uma brincadeira infantil de dispor todos os impressos que temos em casa como uma pequena feira de livros: a velha estratégia de ler um livro por suas imagens ou de atrair leitores pelo lúdico que lhes é próprio. Esta universidade tem um dívida impagável com a família Mindlin e fico contente que o produto dessa dívida sejam peças tão preciosas. Se não me engano e se não aprendi errado a lição, quando deixamos de ser colônia de Portugal, creio que uma das primeiras dívidas externas do Brasil foi uma lista interminável de preciosíssimos livros que hoje vivem na nossa riquíssima Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Que dívida linda!

E por falar em dívida, não posso deixar aqui de pagar o meu soldo àqueles que nos inspiraram a rearranjar este conjunto de livros alemães assim como estão. Quero agradecer enormemente à Profa. Dra. Maria Clara Paixão de Sousa pelo convite tão honroso que me fez para participar deste projeto de catalogação de obras alemãs sobre o Brasil em 2009. Permito-me aqui a ler uma parte do que ela escreveu sobre este simpósio+exposição em seu blog de humanidades digitais. Ela diz:

“Esses pesquisadores chegaram, magistralmente, a um objetivo que poucos atingem (um objetivo a que poucos, de fato, almejam): transformaram uma latência em uma potência. Ou seja: transformaram o tesouro escrito em alemão encerrado no acervo da Brasiliana Mindlin da USP em um universo vivo, trabalhável, muito além da latência – transmutação, que, afinal, é própria do milenar ofício da tradução, e do muito mais recente ofício da digitalização”.

Querida Maria Clara, essa transmutação só foi possível pela energia que você depositou sobre nós.

KOCH-GRUNBERG, Theodor - Vom Roraima zum Orinoco [...], 1917. vol. 1. Acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, USP.
Imagem de KOCH-GRUNBERG, Theodor.
Vom Roraima zum Orinoco […], 1917. Vol. 1.
Acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, USP.

A ideia de trabalhar com a iconografia desses livros é originalmente da bibliotecária Daniela Pires. Maria Clara e eu somos mensageiros acadêmicos dessa linda ideia de Daniela. A ela agradeço imenso pela sua dedicação aos alunos da Área de Língua e Literatura Alemã, hoje aqui representados por Luciana de Fátima Cândido, Gabriela Kühnel e os mais recém-chegados ao projeto e não menos engenhosos amantes dos livros Olívia Yumi e Luiz Fernando da Costa Leite. Estão ausentes hoje os alunos Jonatas Amaral e Luiz Ricardo Gonçalves. Os dois estão vivendo agora na Alemanha, fizeram a viagem de volta dos livros. Devem estar contando lá do outro lado do oceano tentando convencer aos alemães de além mar que somos uma história verdadeira, eine wahrhaftige Geschichte. Todos se destacam pela maestria da bibliotecária-mor, a nossa querida Cristina Antunes, dona das histórias para além das histórias que esses livros retratam e que hoje à tarde vai nos brindar com seu relato sobre como se construiu uma brasiliana alemã na biblioteca mágica dos Mindlin. A todos eles agradeço enormemente a dedicação das últimas semanas que culminam no que se vê exposto aqui, fruto de um trabalho cuidadoso feito desde 2010.

Agradeço a presença dos curiosos, porque deles é o reino da Ciência. Sem curiosidade não há perguntas. Sem perguntas não há Ciência.

Agradeço ao Instituto Martius-Staden, ao Sr. Ekhard Kupfer pelo empréstimo dos 15 almanaques, Kalender, produzidos por imigrantes alemães no sul do Brasil e também à Sra. Ana Rüsche, criadora do lindo logotipo deste evento. Sua inventividade fez caber 500 anos de relações entre povos de língua alemã em uma imagem que retrata um óculos que nos faz enxergar o Brasil pelo olhar alemão. Agradeço à diretoria da Biblioteca Guita e José Mindlin, ao Prof. Dr. Carlos Guilherme Mota e à Profa. Dra. Giuliana Ragusa pela presença e pela anuência em favor da realização desta exposição.

 A exposição ficará aberta de hoje até o mês de julho. Muito obrigado pela presença de todos e convido-os a passarem ao Auditório István Jancsó, que carrega o nome do professor desta universidade que juntamente com o Dr. Mindlin viabilizou o início da viagem mágica dos livros do Brooklin até o Butantã. O simpósio acontece nestes dois dias com a presença de convidados meus e da Profa. Celeste Ribeiro de Sousa, minha colega do programa de pós-graduação da Área de Língua e Literatura Alemã. Obrigado.

      • Maria Arminda do Nascimento Arruda
      • Betty Mindlin
      • Diana Mindlin
      • Sérgio Ephim Mindlin
      • Sonia Mindlin

Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai palavras,
sois o vento, ides no vento,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!

Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!

Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois audácia,
calúnia, fúria, derrota…

A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora…
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil como o vidro
e mais que o são poderosa!

Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam… 

Cecília Meireles